sexta-feira, 28 de maio de 2010

Mais uma dos jornais.

Segue íntegra de uma reportagem destaque hoje no jornal O País.
Gosto de compartilhar estas reportagens para que tenham acesso a parte das notícias que veiculam em Moçambique, e, juntos percebermos como tratam a própria questão cultural tradicional, principalmente.

Fonte: http://www.opais.co.mz

Alunas possessas desenterram objectos estranhos

Sexta, 28 Maio 2010 08:24 Ricardo Machava

Estas são as alunas no momento da escavação à procura das garrafinhas

Na Escola Secundária Quisse Mavota

O governo da cidade de Maputo comprou dois bois e dois cabritos para uma cerimónia tradicional a ter lugar amanhã, na “Quisse Mavota”, juntando os Mavota, Magaia e a comunidade do Zimpeto.

A Escola Secundária Quisse Mavota, arredores da capital do país, já saiu do campo de desmaios e agora entrou numa outra etapa. Ontem, três alunas manifestaram-se possuídas de espíritos e duas delas puseram-se a cavar junto a uma árvores da escola, alegando estar à procura de garrafinhas associadas ao fenómeno estranho que afecta aquele estabelecimento escolar.

Tudo começou pouco depois das 12h00. A nossa equipa de reportagem chegou ao local poucos minutos depois e assistiu a todo o episódio. A primeira aluna, uma adolescente com idade entre 16 e 17 anos, percorreu o recinto da escola e apareceu com uma garrafinha de cor escura, com linhas vermelhas amarradas na sua parte superior.

Logo depois, dirigiu-se a um canhoeiro localizado no mesmo recinto e começou a cavar. Na ocasião, afirmou que estava à procura das tais garrafinhas e tinha a convicção de que estavam enterradas naquele local.

Minutos depois, outra adolescente entrou em acção. Pegou numa pá e pôs-se a cavar junto à mesma árvore, aparentemente com o mesmo objectivo e, até à nossa saída do local, nada tinha encontrado.

Quando as coisas pareciam estar calmas, eis que a terceira aluna pega numa enxada, dirige-se, muito rapidamente, a um dos extremos do recinto escolar e termina estatelada.

Ninguém soube explicar e/ou interpretar o fenómeno. No entanto, um membro descendente da família Mavota explicou que, no local próximo da árvore onde as alunas cavavam é onde estava o cemitério familiar dos Quisse Mavota. Segundo disse a fonte, aquando da construção da escola, foram observadas todas as formalidades tradicionais para a remoção da ossada para um outro espaço.

Diálogo com uma das possessas

De que estás à procura nesta árvore?

De uma garrafinha azul que está aqui.

O que a tal garrafinha contém?

Essa garrafinha tem muitas coisas que nos fazem desmaiar aqui na escola. Mas não é só isso: essa pessoa que veio por essas garrafinhas só está a aproveitar-se.

Está a aproveitar-se de quê?

(Silêncio instantâneo, de olhos fechados) Não posso dizer.

Mas quem te disse que a garrafinha estava enterrada aqui?

Desde ontem que comecei a ver. Quando fui para casa, a minha cabeça começou a doer. Hoje estava melhor. Assisti às aulas e, depois, uma professora veio dizer-me que aqui há uma cerimónia. Tentei ir para casa, mas senti que não dá, porque sem se tirar essas garrafinhas a cerimónia será inválida. Então, aqui estamos à procura de uma garrafinha e tenho a certeza de que está aqui.

Se forem encontradas, o que será feito dessas garrafinhas?

As coisas estarão mais ou menos.

Queres dizer que essas garrafinhas é que provocam desmaios aqui na escola?

Não só isso, mas as coisas vão ficar mais ou menos.

Então, o que deve ser feito para que não haja mais casos de desmaios?

As pessoas que fizeram a primeira cerimónia nesta escola é que devem falar alguma coisa, porque prometeram mas não cumpriram. Agora, alguma coisa está a vingar-se.

O que é que prometeram?

Não posso dizer.



Cerimónia tradicional

Estes são os animais que serão sacrificados amanhã na cerimónia tradicional

Até ontem, já se encontravam na Escola Secundária Quisse Mavota dois bois e dois cabritos, a fim de serem sacrificados numa cerimónia tradicional, que terá lugar amanhã, naquele estabelecimento escolar. Espera-se que depois dela, a escola volte a viver um ambiente de tranquilidade.

Segundo apurámos no terreno, os animais foram comprados pelo governo da cidade de Maputo para esse efeito.



Negar a tradição?

“Quanto mais o personagem se inicia na filosofia e na ciência ocidental, mais se afasta das concepções místicas e dos valores da sua cultura de origem”, diz o filósofo moçambicano Severino Ngoenha, na sua obra intitulada “Estatuto e Axiologia da Educação”.

Ora, no limiar do caso de desmaios na escola em causa, a sociedade não demorou a concluir que apenas uma cerimónia tradicional podia resolver o problema. No entanto, o Governo tentou negar esta realidade. Mandou fazer uma pesquisa que, facilmente, chegou à conclusão de que as alunas desmaiavam por causas emocionais.

Agora não se percebe como é que, hoje, o mesmo governo compra animais para sacrifícios em cerimónias tradicionais de evocação dos espíritos dos antepassados.

(Todas as informações e impressões são do autor da reportagem)