domingo, 5 de setembro de 2010

Uma aventura pra brasileiro nenhum botar defeito

No último final de semana eu e mais 7 colegas incorporamos o espírito de aventura e decidimos viajar algumas centenas de quilômetros até o Parque Nacional de Gorongosa, uma das únicas opções em Moçambique para se ver animais de fauna bravia, como elefantes e leões.

Eu escrevi um post neste blog falando sobre o parque e manifestei o desejo de conhecê-lo. De lá para cá conversando com um e outro, tocamos no assunto e decidimos marcar a expedição para um sábado não trabalhado, que, como sabem, ocorre a cada final de mês coincidindo com o pagamento dos salários – aqui também conhecido como “Sábado das compras”, uma vez que não se compra nada nesta terra muito depois das 18h.

A Kárita se encarregou de colocar fogo na galera enviando email com informações de Gorongosa e detalhes sobre as acomodações. O site é muito bacana e vendo dá uma vontade danada de ir correndo pra lá. A propaganda é mesmo alma de qualquer negócio e neste caso estão no caminho certo.
 
Corremos todos e só não tivemos maior adesão na comitiva porque não havia cabanas para todos no acampamento Chitengo, onde funciona uma espécie de Hotel em cabanas para os visitantes do parque.

Nos dias anteriores acertamos os carros, compramos combustível (aqui é assim – viaja-se cerca de 300 km sem um único posto de gasolina) – afinal, como não conhecíamos o desempenho dos carros preferimos prevenir – o CRV faria a sua primeira grande viagem, a estrada também e o terceiro carro era alugado, não dava pra prever. Confesso uma pontada fria no peito – O CRV é um bom menino, mas ainda não tinha rodado mais do que uma vinda ao projeto num dia de necessidade – pouco mais de 20 km.

Meu mecânico, Richard, um inglês de meia idade, morador de Tete há 11 anos e especialmente revoltado com algumas características da escassa mão de obra local para o business dele, chega a ser engraçado ao dizer em português arrastado que a “viatura é doce como limão”, referindo-se ao bom estado do pretão (CRV). Isso me tranqüilizou bastante e me apoiei nesta fala pra acreditar que tudo daria certo.

Nesse clima arrancamos de Tete às 4:40 da manhã de Sábado e seguimos em direção à província de Sofala cerca de 530km numa viagem que durou 9 horas. Tudo bem que paramos para lanchar, ir ao banheiro poooodre numa parada de estrada, ir ao banheiro de novo, abastecer em Chimoio e trocar pneu depois de 4 pregos malvados atingirem em cheio o pneu do Corolla dos nossos colegas assim que entraram no posto de gasolina em Chimoio, a 400 km de Tete. Coincidência ou não, a oficina de reparação de pneus (borracharia) ficava logo atrás do posto e tinha no mínimo 6 carros parados na mesma condição quando adentramos, o que nos leva a profunda reflexão!!!

Enfim, a estrada é bem asfaltada embora muito estreita e o tempo todo povoada de pequenas vilas de casas de taipas simplórias. Os moradores estão sempre fora das casas tentando a sorte de vender os produtos de suas machambas (roças) – são batatas, mandiocas, juta, carvão, pedras, galinhas e tudo o que conseguem ofertar aos passantes – Isto, porém, reduz o tempo da viagem uma vez que é necessário reduzir a marcha a cada nova vila, em segurança e respeito aos locais.

Estávamos a passeio e não nos importamos com o tempo. Em bons carros, mesmo muito tempo não é tão cansativo, sem contar que na ida tudo é festa e estávamos bem animados para conhecer de perto os big Five africanos – 5 mamíferos selvagens difíceis de serem caçados pelo homem - leão, elefante, rinoceronte, búfalo africano e leopardo.

Chegamos ao parque por volta de 12:30 e até que nos acomodassem decidimos almoçar no charmoso restaurante do acampamento. Comemos e logo nos instalamos rapidamente, afinal, faríamos nosso primeiro game, ou safári, chamado Pôr do Sol na Casa dos Leões! Êpa! Estávamos eufóricos!!! Máquinas a posto, chapéus, repelentes, agasalhos e tudo que bons brasileiros carregam nas tralhas. Ao nos aproximarmos do carrinho aberto do safári, porém, primeira decepção: Na lista do carrinho só constavam 3 nomes. Nossos 5 outros colegas teriam que seguir numa caminhonete improvisada o que já causou o primeiro estresse – puxa vida! A gente queria o carro de safári, né?!

Depois de uma calorosa discussão de uns 10 minutos seguimos para dentro da mata, nós 3 junto com outro grupo e os 5 numa caminhonete qualquer, por outra trilha.

Logo de cara vimos o primeiro bicho, um FACOCERO – ou Javali africano – espécie de porco do mato que tem pescoço curto, come de joelhos devido a pouca mobilidade de seu pescoço, alimenta-se de ervas rasteiras e vira comida de leão facilmente. Tem chifres curtos perto da boca e longos cabelos ao longo do dorso, uns meio aloirados, o que faz deles figuras pouco providas de beleza – são muito feinhos, coitados, chegam a ser engraçados. Estão por toda a parte no parque, somam cerca de 7000, vivem quase 20 anos e já se configuram uma praga, de onde os passamos a chamar carinhosamente pragoceros.

Em seguida, um belíssimo cenário de mata multicor em inúmeros tons de verde e amarelo se abriram diante dos nossos olhos e muitas aves, pássaros e pragoceros apareciam a cada metro percorrido, até que começaram a aparecer timidamente impalas, bambis, Kudus,galinhas da índia de pescoço azul, pelicanos e muitas outras variedades de impalas e bambis, com chifres, sem chifres, solitários, em bandos, com pintas na coxa, sem pintas na coxa, a perder de vista... Macacos também deram o ar da graça e sempre que perguntávamos sobre os tais big Five, o guia de fala mansa e desenhada respondia, é um parque natural, não podemos garantir encontrá-los.

Eu já havia me convencido de voltar para Tete sem ver os tais grandões, mas eis que um barulho na mata fez nosso grupo parar e procurar avidamente pelos elefantes anunciados pelo guia. E nosso desejo era tão grande que convidou nossa imaginação a desenhar nos troncos distantes elefantes imaginários que apelidamos, a exemplo do nosso amigo Sandro em Songo a ilusionar crocodilos, troncofantes! Ficamos ali uns 5 minutos enxergando troncofantes até que partimos, afinal, estávamos indo para o pôr do sol na casa dos leões!!!

Decepção número 3 a frente: Nosso guia para numa planície maravilhosa com um sol estupendo se pondo ao fundo e diz: Aqui é o vale do rift, região de inundação na época das águas, ao fundo a serra de Gorongosa e lá daquele outro lado, apontando com os olhos o lado esquerdo com uma ruína ao longe, é a casa dos leões. Mas temos um probleminha! Ai, que eu juro ter sentido um comichão imaginando o carro com defeito e os filmes de terror que eu via quando criança onde grupos inteiros ficavam perdidos em matas selvagens sendo comidos por leões até que alguém os encontrasse... Mas não era! Era quase tão ruim quanto... É que o sol vai se por em alguns minutos e não vamos chegar lá a tempo porque ficamos vendo troncofantes tempo demais!

Ahhhh, gente! Que raiva!!! Nós que estávamos extasiados demais para protestar e dar com o pau no Macadâmia (Ele tinha um nome parecido com isto!) – Puxa! Somos turistas, quem tem que dar o grito quando o tempo se esgotar é ele, eu sei lá a que horas o sol se põe? Muito menos onde é a casa dos leões!

Foi então que um integrante do nosso bando resolveu dizer, não, vamos logo, ainda que cheguemos atrasados, os leões não estarão lá?! E o nosso guia então disparou a decepção número 4: Não, não há mais leões lá! Há 40 leões no parque, mas estão nalgum lugar, não sabemos precisar onde.

Fomos nós então, entre trancos e solapadas do barulhento carro do safári em direção às ruínas do que um dia fora à casa dos leões, sem sucesso. Realmente, chegamos empatados com o último raquito de sol a baixar colorindo a paisagem de um tom deliciosamente agradável de ver e sentir... Pena não termos chegado a tempo, o cenário prometia beleza magistral.

Nossos colegas, de caminhonete, foram mais felizes e chegaram a tempo, sem contar que ainda conseguiram um guia que lhes contou mais da história do lugar.

Voltamos desejosos de que o próximo game, às 6 da manhã de domingo, trouxéssemos mais do que pragoceros e impalas diversos. À noite espantamos o frio na beira da fogueira e cantamos músicas brasileiras pra dividir com a saudade aquele ceuzão maravilhoso em cima de nós.

Pouco mais de 22h sentimos as luzes se apagarem – como é comum faltar energia em Moçambique não demos por conta de que o fato é estratégico – às 5:30 elas voltaram e é sempre assim. Poderiam ser mais claros, é melhor saber que vai acontecer do que ser pego de surpresa em casos como esse.

Chega o Domingo e todos de pé, dessa vez juntos no carro de safári rumamos ao desconhecido, por trilha aleatória na esperança de ver pelo menos o Five mor, elefante, já que 40 leões numa extensão de terras daquela jogava nossa probabilidade de vê-los pra muito perto de zero. E percebemos ao longo das conversas que o parque estava a alguns anos sofrendo intenso trabalho de restauração, fruto de uma iniciativa de um simpático investidor particular, pois, durante a guerra, as inúmeras espécies que compunham a bravia fauna de gorongosa foram completamente dizimadas. Pra se ter idéia, dos 14000 búfalos africanos registrados no período, apenas 14 unidades foram encontradas, e, como estes, tantos outros leões, elefantes, crocodilos, rinocerontes e tantos outros sofreram também.

Mais calmos e compreensivos com a conjuntura, entendemos os esforços e vimos beleza no passeio. Pudemos avistar e fotografar um pequeno grupo de elefantes, alguns crocodilos a tomar sol no rio, muitos macacos e ficamos cientes de que essa iniciativa irá render muitos frutos num futuro médio, coisa de mais 5, 10 anos e Moçambique terá sim um Parque ao nível dos grandes parques da África.

Voltamos logo após o almoço e finalizamos com sucesso nossa empreitada às 20:30 em Tete, com os carros em perfeito estado, as colunas avariadas pelo longo tempo sentados, o corpo e os olhos cansados de tanto procurar os big five e uma coleção de fotos que tento postar a seguir...

 
Aqui, aí ou em qualquer lugar, cabaninha...
Quanto maior o bagageiro maior a bagagem...
Tô falando!
Parada, banheiro, conferida no mapa e avante!
Cada um dá a sua descarga....
 (repare no balde ao lado da sanita - descarga manual)
Descansa carregando palha...

9 horas, 530 km e 1 pneu furado por 4 pregos depois...
Paisagem de arrepiar...
*
1º Game... Cadê os big five?
*

A lua estava um espetáculo a parte
* (Fogueira e vinho, música e a busca pelos big five)
* (Violeiros !)
Pragoceros por toda parte
Facocero, javali africano ou, carinhosamente, "pragocero"!
Cansei!
Ãhn... Cansei!
* (tô indo embora!)
Nas trilhas do parque...
São as paisagens mais lindas que já vi na vida
Lembram as descrições em livros que falam do paraíso
O Pôr do Sol que pagamos e não levamos!
* (Pose de Id Amin)
* (Lembrança mais próxima dos leões)
ou ossos do próprio, coitado... ;)
Um big five
Crocodilagem pura
*
Bambis
Banho de sol
Carro de safari

Está uma luta postar as fotos, a internet in jango é muito ruim e minha paciência ainda é de brasileira - publico estas e depois faço um post só de fotos de lá, ok ? Assim que conseguir publicá-las!

Créditos para algumas fotos da *Fernandinha Viana, minha colega de Hobby e por inúmeras vezes, fotógrafa credenciada do uaiafrica.com.