segunda-feira, 7 de junho de 2010

Tete dos pequenos prazeres...

Moçambique também tem café no bule.

A Etiópia é a terra do café na África.

Lá são cultivadas excelentes espécies consumidas nos melhores cafés do mundo, tanto que fazendeiros e associações deste país pleiteiam na justiça numa briga que promete muito fuzuê, denominação de origem, a exemplo de vinhos e champagnes mundo a fora.

Quase ao Sul, Moçambique não compartilha dessa tradição típica do Norte e o que se vê nas mesas de “matabicho” ou “pequeno almoço” - nome que dão ao nosso café da manhã, são potinhos de café solúvel da cor de chocolate em pó e cheiro duvidoso de café. O resultado, para mim, e para uma infinidade de outras pessoas com as quais converso, é quase sempre desastroso – nunca conseguimos a medida certa da mistura para transformar essa coisa num parente bebível dos nossos apetitosos cafés.

Como uma das habilidades que desenvolvemos aqui é justamente a de contornar situações, parindo soluções para as mais inusitadaos diferenças, tratei de encomendar uma cefeteira de Maputo e pedi a um conhecido de uma colega em viagem do Brasil que me trouxesse pó de verdade, extra forte. "Choquei" a cafeteira sem o pó por semanas até que a visão dos pacotinhos vermelhindos made in Brasil me trouxeram nova alegria. Teríamos café de verdade à mesa.

E foi neste Domingo, que, em clima de festa, mesmo após a decepção de um dia inteiro sem energia inviabilizando os planos de amassarmos um pão de queijo com polvilho brasileiro na casa de amigos, convidei os colegas para um banquete vespertino regado a café de verdade, pó brasileiro, cafeteira moçambicana, torradas brasileiras e queijo tipo Flamengo importados de Maputo, manteiga do indiano e dois dedinhos de prosa.

Ao resultado aí…

A gente inventa, reinventa, tenta e descobre a cada dia que Tete é mesmo uma terra dos pequenos prazeres…


Coincidência, mas a cafeteira se chama Brasília

Fabrício operando o brinquedinho - o pó é brasileiro da gema!

Eu e a Kárita de queijo e café em punho!

Noite de Brasil na África

Sexta-feira, noite em Tete.

O combinado era seguirmos todos para o Tropical Nhungué, bar no estilo casa de sapê fica a duas quadras do Hotel Zambeze. Uma coisa bem no estilo botecão mesmo, daqueles que não vamos sem um bom motivo, muito menos em BH. Mas dessa vez tínhamos todos os motivos, e eram fortes o bastante para nos arrancar de casa em plena sexta-feira, sabendo que trabalharíamos no Sábado, com reunião e tudo. Aqui não tem nada para fazer, na medida em que o tempo passa, o tédio cresce e a rotina fica tentando te engolir. Nossos colegas, muito habilidosos e criativos decidiram então levar para o bar o violão e o pandeiro e entrar de sócios com os tocadores de um grupo local que faz música ao vivo nesse bar às sextas-feiras. Fizeram o boca a boca durante a semana e ficamos todos na expectativa para o que se tornaria o grande evento do fim de semana.

Confesso que na hora "agá" dei uma desanimada e senti uma enorme atracão pela minha cama. Tínhamos combinado de comer uma pizza no Italiano, para garantir que não precisaríamos comer no Tropical – a cara do lugar não é lá essas coisas, quem dirá a cozinha, né? Relutei umas horas, e, como é comum de acontecer aqui, levando em conta todos os sentimentos que nos invadem o tempo todo, várias vezes por dia, terminei me perguntando o que ganharia ficando ou saindo e preferi arriscar no zero a zero da saída contra o tédio certo da ficada.

Antes de chegar ao Italiano encontrei o Joschwa, um dos meninos da rua com quem gosto de conversar, ali mesmo, perto do restaurante. Sorri para ele e entrei.

Comi um Escalope a Valdostana – nome chique que o restaurante italiano dá a um bife a milanesa coberto de mussarela, tomate e pimentão, rodeado de batatas assadas cortadas a juliene e umas lascas de repolho cozido. Tudo isso por MZN350, quase R$20.00. Carinho para o que se apresenta, posível para nós e completamente inacessível para a maioria da população miserável. Coca zero na cabeça e lá fomos nós.

Como quase sempre sobra comida, pedimos que embalassem e na saída entreguei ao Joschwa, na porta com outros colegas.

Engraçado que ao chegar no italiano, vi uns cacos de vidro no chão e não tive a iniciativa de tirar. Foi nesse mesmo caco que o Joschwa se cortou feio e chorou, chorou e chorou vendo o sangue pingar. Aquele corte, que percebi a uns 10m quando já ia embora, cortou também meu coração. Primeiro porque me doeu vê-lo tão triste, agarrado à sacolinha que eu acabara de entregar e com o pezinho virado, pingando sangue. Segundo porque eu o tinha visto descalço e até perguntei onde estava o chinelo – também tinha visto o caco no chão e nada tinha feito para evitar aquilo. Fosse qualquer outra parte do mundo, com aquele corte grande no pé eu o teria levado ao hospital, mas aqui, infelizmente não há muito o que fazer. Carreguei-o para a cadeira do vigia na porta do restaurante, mesmo contrariando seu apelo para que eu deixasse o menino na rua. Claro que não, eu precisava ver aquilo de perto e tranquilizá-lo, no mínimo. Pedi que me trouxesse água e com muita má vontade ele saiu calmamente, o que me encheu de raiva.

Fiz o que era possível no momento. Lavei o pé machucado e amarrei uma sacola para ajudar a estancar o sangue. Pedi aos amiguinhos dele para o levarem para casa e limpar direito o machucado, colocando-o em repouso em seguida.

Fomos todos embora, (fui arrasada), acompanhados de uma nova amizade, uma colega de Maputo que veio a trabalho e topou nos acompanhar no que imagino, tenha sido quase um sacrifício para ela – ver um bando de brasileiros cantando e dançando a saudade de casa, entre cervejas e cigarros, num lugar feinho com um som tão ruim que não encontro agora relativo no Brasil para deixá-los mais por dentro. Mas imaginem a caixa de som trancada num armário e pode ser que entendam o esforço que precisávamos fazer para entender as músicas, fora abstrair o tinido de um garfo batendo insistentemente numa garrafa, tentativa de um moçambicano gente boa de inserir novo instrumento aos já presentes.

Chegamos e lá estavam nossos amigos. A decoração é comum à de outros lugares rústicos da África, com capulanas coloridas servindo de forro para as mesas, muita madeira envernizada, sapê nos telhados, um cercadinho anunciando o bar o e prateleiras abrigando garrafas e copos, tudo integrado à decoração.

Acima, separado por 3 degraus, o que seria outro ambiente virou palco para um grupo de moçambicanos munidos de bateria, baixo, guitarra e pandeiro tocarem com uma animação atípica desse povo – que ao contrário desta apatia costumam ser mesmo muito animados. Estes não, tinham uma apatia poucas vezes vista e tocavam o mesmo ritmo para todas as músicas, tipo “Zezinho e seus teclados”, que solta o som e canta 15 músicas, sem mudar uma batida sequer. A frente, duas mulheres se revezavam no que não dava para entender se eram back vocal ou dançarinas, mas, tentavam alegrar aquele ambiente com uma aparência que foge o padrão de back boazudas de qualquer grupo. Arracavam de nós risos e aplausos animados, doidos que estávamos para que dessem logo um intervalo abrindo espaço para os meninos do Brasil. A iluminação variava da penumbra aboluta a um misto de discoteca improvisada, em que todos ficam prateados, depois voltam às suas cores normais sem quê nem pra quê.

Em nossa mesa, a esta hora já com uns 20 colegas, os cantores Nem, Bubu e Leo do Pandeiro aguardavam ansiosos os momento de entrar em cena. A cada música encerrada fazíamos um festival de “oh nem, cadê você, eu vim aqui só pra te ver” e pedíamos insistentemente a troca dos cantores.

Mais um pouco da passada africana e lá estavam no palco os nossos meninos, prontos para o que seria o deslanchar de uma carreira internacional de sucesso – De Brucutu para o mundo, o que se deu nas próximas duas horas sem parar – direito apenas a uma molhadinha na garganta de tempo em tempo, foi um super show de vasto repertório que ia de Boate Azul a La Bamba e um coro de dar inveja – nós!

Teve Victor e Leo, Bruno e Marrone, Leo Jaime, Cascatinha e Inhana, Demônios da Garoa, Teodoro e Sampaio, Alcione, Jorge e Mateus, Chiclete com Banana e tudo o mais que conseguirem imaginar indo ao brega, corno, demodé, engraçado ou de atiçar saudade. A contoria rolou no palco, ferveu a plateia e nos levou a dançar e cantar junto lá em cima, vivendo por uns minutos verdadeira catarse no melhor estilo "quem canta seus males espanta!". É verdade, gente, quem canta seus males espanta, e espanta mesmo!

No meio do caminho ainda cantamos juntos parabéns para o Marco, aniversariando no Sábado e cheio de saudade como todos nós. Voltamos para casa cansados e alegres, deixando alguns gatos pingados no lugar para o que seria em seguida, o retorno do conjunto local para mais show.

Restava-nos descansar e esperar pelo Sábado, que transcorreu numa boa.

Ainda não vi Joschwa de novo depois daquele dia…

Seguem as fotos, para, como sempre, compartilharmos mais alguns momentos em Tete com os motivos das nossas saudades no Brasil.

Dani, eu prometi fotos do seu bombonzinho africano, espero que goste! Muitos beijos...


Bubu, Nem e Leo - no pandeiro

Nisa, Kárita, Anna, Fernanda e Fabrício

Nisa e Kárita

Leo e Nem

Leo - Bombom africano!

Marco Paula, Marcão e Ronaldo

Helena, Lúcia e Cássio

Ôps! Cadê o microfone?

Patrícia e Paulo Ven

Jorge e Fabrício - Parece nome de dupla sertaneja, rs...

Gildiney, João e Marcos Raul

Paulo Ven, Patrícia, Adriano, um moçambicano
que não sei o nome e Diógenes


Olha o bombom aí de novo!



Kárita, eu e Jorge

Leo


Comédia !

Porque rir é sem dúvida, um santo remédio...