domingo, 19 de dezembro de 2010

Entre Cabritos e Catarinas...

E assim começou a minha trajetória de volta ao Brasil para o Home Leave de Dezembro.

É Natal, galera, e eu já estou doente por um pisca pisca, ruas iluminadas, Praça da Liberdade cheia até altas madrugadas, cd da Simone tocando "então é Natal" em todas as lojas daqui e dali, grandes pacotes arrastados pelas ruas por pessoas que dividiram em 18 vezes o presente do filhão só pra ver aquela carinha satisfeita, iluminada, reluzente na hora do Papai Noel!

Aqui é outro mundo mesmo.

As diferenças culturais, as marcas da guerra, a pobreza e principalmente os diferentes traços religiosos, influenciam fortemente na tradição a ponto de não se ver uma única manifestação natalina como temo costumes em nossa terra. Ao mesmo tempo que choca um pouco, nos deixa sem referência. Ficamos ávidos pela chegada ao Brasil e percebemos o quanto é forte em nós a cultura do consumo, do marco, da tradição, mesmo que o objetivo principal da renovação cristã a muito tenha se perdido para o profano.

Eu mesma posso confessar que não vejo a hora de me deparar com aqueles velhinhos fofos, redondinhos, iluminados e barbados pelas ruas e portas de loja - nem fico envergonhada de dizer que fico amolecida só de me lembrar da aura que envolve o Natal, os preparativos para a ceia, a expectativa da família reunida, a chance de realizar mais um balanço do que passou e desejar que a mudança venha de fato milagrosa ao amanhecer do novo ano.

Arranquei de Tete nessa pilha, doida para finalizar meu trabalho em Maputo e partir para o Brasil de coração aberto para sanear os pensamentos, a saudade e renovar as energias para a volta.

Mas nos 40 e poucos graus do lotado aeroporto, sem ar condicionado, senti o quanto esses últimos meses aqui me pesaram. O cansaço era tanto que a alegria da partida não conseguia aparecer - e eu suava e me incomodava e só pensava em não me aborrecer, afinal, isso também iria passar.

Bastou entrar no saguão e uma cena literalmente me revirou as vísceras - eram cabritos! Entre as "catarinas" já conhecidas da região, dezenas de cabritos recém abatidos eram revistados pelos oficiais de alfândega de Tete, no mesmo lugar em que revistam as nossas malas, sem a menor cerimônia e absolutamente nenhum tipo de cuidado de higiene - Gente, pra ser sincera, a cena era nojenta! Naturalmente que aqueles cabritos haviam sido abatidos a pouco e esvaíam sangue e água. O mau cheiro daquela carne morta, somado ao "futum" de centenas de pessoas suadas e sujas de um dia quente em Tete, tornou aquele lugar insuportável, muito mais do que qualquer outro que eu já houvera visitado - nem o Kwacena, mercado ao ar livre de Tete, pavoroso, soava tão mal em minha memória quanto aquela cena toda - o último que alguém espera de um aeroporto. Nem na menor cidade que eu já houvera visitado vi e vivi nada parecido nos terminais rodoviários - era patético passar por aquilo tudo. E não pensem vocês que eles embalariam os cabritos em caixas térmicas, isopor ou algo parecido. Mal mal enrolaram os corpos num papelão, passaram fita e despacharam como fazem nos Chapas que transitam livremente entre Tete e Moatize.



E lá fomos nós, depois do atraso, do futum, das crianças correndo pelo avião como se tivessem no playground, da mãe que ligou o celular em pleno vôo para fotografar o pentelho correndo pelos quatro cantos do avião com o consentimento da aeromoça, amiga da tal mãe... Enfim... Parecia o vôo do Cão!

Mas às 21h aterrissamos em Maputo, graças a Deus, a salvos. Tudo tinha dado certo, não?!



Não!

A beira da esteira que traria as malas do avião o mal cheiro anunciava que o vôo procedia de Tete, terra do cabrito. Como fedia, meu Deus, como fedia!Se eu pudesse, sairia a francesa e deixaria a minha mala a quem mais interessasse - ganharia o mundo com a roupa do corpo mesmo, faria melhor para o meu psiquismo.



Mas ainda não me desprendi o bastante e possuía itens ali dos quais ainda necessitava. Fiquei 20 intermináveis minutos em meio aquela gente suada e igualmente cansada, esperando seus pertences, mesmo que fossem cabritos. E ao rolar da esteira, o primeiro e "encarniçador futum" se espalhou no ar feito bomba de efeito moral - bummmmmmmm... O fedor tinha cor, feito nos desenhos animados quando a fumacinha fedorenta acompanha o gambá. Esse era assim, fumacinha acompanhando as malas na esteira.

Impressionante acreditar que, das 100 pessoas presentes, 99 ficaram fedidas e empestadas porque uma resolvera brindar a família com uma cabritada importada de Tete, pode?

E lá veio a minha mala, tão empestada quanto as outras, molhada daquela salmoura nojenta a ponto de nem o lacre de insulfime do aeroporto conseguir proteger de penetrar no bom tecido todo aquele combinado.



Conclusão: Fazem dois dias que a minha coitada está na varanda, tomando a fresca dia e noite entre borrifadas de bom ar e todos os produtos de limpeza que encontrei, para ver se chego em Guarulhos na terça sem levar na testa, digo, na mala, uma insígnia - fedeninha!

Concluí com isto que o meu senso de humor é grande responsável por eu ainda estar nesta terra, agradeci por meu vôo para o Brasil só sair na terça - ganho tempo para me livrar do "bito", fiquei brava por ter ganhado o ônus e ficar sem o bônus - puxa! Depois de ficar com a inhaca, bem que podia ter levado pelo menos um pernil! E, pela primeira vez em muito tempo, senti saudade da "catarina". O cabrito cheirava pior!



Exausta, apelo - Mãe! Eu como até frango no Natal, mas não faz cabrito não, pelo amor de Deus!

Já instalada, porém, e, quase refeita, consigo rir dessa desventura - com música de fundo, paro e ouço. Penso que seja o meu anjo de guarda personificado na divina e saudosa voz da Cássia Eller, a me ninar...

"Nem desistir nem tentar, agora tanto faz... Estamos indo de volta pra casa!"