sexta-feira, 14 de maio de 2010

"Eu hoje acordei tão só"

Ando melódica esses dias.

Normalmente acordo com uma música na cabeça e nem sempre é a minha predileta, bem verdade, quase sempre é o contrário.

A semana toda fiquei com a vinheta da RM - Rádio Moçambique, emissora do Governo, mantida pelo povo, na cabeça. E lá que desde cedo nos atualizamos das notícias permitidas e até das retrospectivas dos 35 anos de liberdade do País, pelo rádio do Machimbombo, cortando na alta até o Projeto.

A tal musiquinha - se um dia conseguir prometo postar o áudio - enfia na cabeça da gente e vira mexe pego alguém cantarolando o refrão que é mais ou menos assim:

A informação e a música,
24 horas sempre sem parar
Para sempre com Moçambique,
RM . hoje e sempre projetando Moçambique!

Ela é mesmo engraçada completinha e cantada no rádio as 6 e meia da manhã, estilo hora do Brasil porém continuamente até por volta de 9h, quando finalmente, depois de parar na ponte e nas duas portarias por muito muito tempo, conseguimos chegar no serviço de fato.

Praga total é ficar com a danadinha na cabeça o tempo todo.

Mas hoje não foi assim.
Triste, acordei com a música do Oswaldo Montenegro, que deixo abaixo:

Sempre não é todo dia
Oswaldo Montenegro

Eu hoje acordei tão só

Mais só do que eu merecia
Olhei pro meu espelho e ah....
Gritei o que eu mais queria

Na fresta da minha janela
Raiou, vazou a luz do dia
Entrou sem me pedir licença
Querendo me servir de guia

Eu que já sabia tudo
Das rotas da astrologia
Dancei e a cabeça tonta
O meu reinado não previa

Olhei pro meu espelho e ah....
Meu grito não me convencia
Princesa eu sei que sou pra sempre
Mas sempre não é todo dia

Botei o meu nariz a postos
Pro faro e pro que vicia
Senti teu cheiro na semente
Que a manhã me oferecia


Eu hoje acordei tão só
Mais só do que eu merecia
Eu acho que será pra sempre
Mas sempre não é todo dia

"Eu fico com a pureza da resposta das crianças"

Outro dia contei dos meninos, meus novos amigos em Tete…

Desde o último Domingo quando ficamos um bom tempo juntos, conversando, fotografando e brincando  eles não me largam mais.

Desço de manhã para o trabalho e lá está o Tomás para me desejar um bom dia. Daí a pouco na fila da ponte vejo os olhos curiosos dele e do Sabino procurando nos Machimbombos até me encontrar e dar um tímido e sorridente tchauzinho.

A noite, parece que sentem meu cheiro. Desde segunda tenho chegado mais tarde do trabalho e não venho nos ônibus, mas me contam que eles ficam na porta e perguntam: - onde esta a amiga?

Confesso que gosto e fico orgulhosa, sei que eles ficam doidos com os biscoitos e sucos que sempre dou, mas também sinto que gostam de mim de verdade – seus olhos bons declaram isto.

E assim os dias vão passando. Na quarta mesmo uma pessoa combinou de ir até o Instituto de Línguas comigo e furou me deixando sozinha. Fiquei com medo porque sempre diziam que o lugar era ermo e Tete já não e mais aquela cidadela tranquila de outrora, o progresso traz sua mazelas e precisamos ter atenção.
Hesitei e ate pensei em desistir, mas logo tive uma luz e perguntei aos meninos se poderiam ir comigo. Resultado: Não só foram, como me esperaram e voltaram me escoltando - hilário.

A prova de que nossa relação é de troca se dá quando peço que me ensinem Yungué, língua local falada por eles. Eles deliram, ora, estão sendo úteis! Tornam-se meus professores e caem na risada quando repito as palavras erradas. Yungué não é fácil e aprendendo de ouvido então, já imaginaram?

Eles me atendem em tudo e sempre que me despeço dão um jeito de dispersarem também, muito bonitinho.
Todos os dias descolo algo de comer para eles, converso um pouco, aprendo Yungué e tento ensinar alguma coisa útil.

No meio da semana aconteceu uma coisa muito bacana que até me emocionou. No domingo o Tomás estava de bermuda floral e camisa amarela. Na segunda também, apenas mais sujo. Na terça a mesma coisa, porém, ainda mais sujo!!! Durante as nossas conversas falei com ele que era preciso tomar banho, mesmo sem trocar a roupa, caso não tivesse, para ficar limpo, evitar doenças e se sentir melhor. E não é que na quarta, logo que cheguei uma colega me chamou e disse:

- Já viu seus meninos? Tem um que está até lustradinho, limpinho e de roupa trocada, já perguntou por você um monte de vezes e só serve você.

Quando viro para o lado, lá vinham eles correndo e sorrindo. E o lustradinho era o Tomás, com quem eu havia conversado!

Mais que depressa eu o elogiei bastante, falei que adorei, que estava feliz com ele e queria que ele continuasse tomando banho sempre. Corri no meu quarto, peguei os sabonetinhos miniatura e dei a eles, falei para dividirem entre si da melhor forma e tomarem banho no dia seguinte também.

Agora, todos os dias, junto com algum alimento eu levo o sabonete – espero que estejam mesmo usando, mas nem sempre consigo ter clareza disto. Quando chego o dia já passou inteiro e com certeza qualquer um de nós já teria dado por vencido o banho da manhã.

Combinamos o papo de ontem a noite de nos vermos por mais tempo no Domingo. Vamos dançar, cantar, brincar e fotografar-filmar mais, claro, com a condição de me trazerem os cadernos da escola para ver e me ensinarem mais Yungué, claro! Outra promessa - quero ensinar português ao Joshua e entre uma brincadeira e outra inserir noções de higiene, saúde, educação, e, mais que isso - afeto, ternura, carinho, proximidade e vínculo.

Não sei por que, mas sinto que isso tem me feito muito bem desde os primeiros dias em Tete. Pode ter quem veja com maus olhos, pensando que estou cevando os meninos, mas, sinceramente não estou me preocupando com isso e sei que estou recebendo muitas vezes mais do que oferecendo.

Ah, ontem nos despedimos com um abraço e aperto de mão de cada um. Estavam meio tímidos e desajeitados – não sabem muito sobre carinho, mas foi muito bom! Cheguei no quarto e tomei meu super banho com uma sensação muito gostosa - aquela que só a "pureza da resposta das crianças" trás para o coração da gente.

Beijos…