segunda-feira, 10 de maio de 2010

O Domingo, dia das Mães!

Foi meu primeiro dia das Mães sem a minha mãe por perto.


Acordei muito cedo com o barulhão do gerador entrando no circuito para suprir a falta de energia, inseparável amiga dos domingos. Virei de um lado para o outro na cama e logo voltei a dormir. Mais tarde fui ao restaurante tomar meu café da manhã, "pequeno almoço" ou "mata bicho", como chamam aqui.

Encontrei uma colega moçambicana que nos disse, por influência de uma TV brasileira muito presente no país ultimamente, inlusive com inúmeros programas de temática religiosa fortíssima, Moçambique vem comemorando já a alguns anos, o dia das mães no primeiro e segundo domingos de Maio. Interessante como a mídia brasileira influencia outras culturas...

Na hora do almoço combinamos de ir ao Italiano de novo. Enquanto esperávamos pelos colegas do lado de fora do hall do Hotel um pequeno time de crianças se aproximou para pedir dinheiro e comida.

Infelizmente, de uns tempos para cá a esmolagem tem sido uma constante em Tete. O tempo todo crianças, mulheres cegas acompanhadas de crianças, idosos e deficientes pedem, pedem e pedem. Do Hotel até a única padaria da cidade é um quarteirão de distância e nessa breve caminhada cheguei a contar cerca de 10 pedidos, todos entoados quase em forma de um canto triste, de cortar o coração: - Mãaaaaaae, foooooooome! Fooooome mãe, dinheeeeeiroooo! Normalmente falamos sem olhar muito para o lado deles, só dizemos rapidamente que não temos e seguimos caminho, mas eles não se dão por vencidos e andam atrás cantando o pedido até que na direção contrária venha outro transeunte, estrangeiro, claro, para virarem a cantoria para o lado oposto, mas logo vem o próximo e o próximo e mais um…

É impossível não parar para pensar que é fome mesmo, que a carência é real e absoluta. Impossível não ficar com o coração partido, mas ao mesmo tempo, se olharmos na direção deles o que era 3 viram 6, 9, 12, rapidamente, impressionante. E teríamos que ter máquina de fazer dinheiro para dar conta de suprir tanta falta. Meu Deus! É muito complicado e ainda pensar que o governo não consegue suprir as necessidades mais elementares.

Corri lá no quarto e peguei um pacote de balas ou pastilhas - nome local, e, rapidinho eles se alvoraçaram, chegaram mais uns tantos. Pedi que fizessem uma bicha - fila e do jeito deles se amontoavam, enfileirados de corpos, mas com as mãos todas amontoadas diante de mim para garantirem as pastilhas, rsrsrs, foi uma festa! Mal saíam da bicha com as balas na mão voltavam novamente, dessa vez com a outra mãozinha, suuuja, mal cuidada, nem por isso menos ávidas...

Distribuí todo o pacote e fui almoçar mais feliz.

No restaurante, sem energia, só pudemos pedir massas. Aqui é comum só existirem fogões elétricos porque é difícil o acesso ao gás de cozinha. Há quem diga que em determinada época do ano ele simplesmente some das distribuidoras. Com isso, quem pode ter os dois leva vantagem, quem não pode vai se arranjando como dá. E esta máxima só se aplica a uma pequena parcela da população - a maioria cozinha na lenha mesmo. Tem outro porém, quando falta energia, falta também água, porque aqui não se usam caixas de água por gravidade, apenas reservatórios acionados por bombas, dependentes de energia elétrica para puxar água para o uso. Descobri isso logo que cheguei - Fui ao banheiro lavar as mãos e um último filete de água do cano me recebeu - paciência - preferi não pensar que a falta d´água também estava atingindo a cozinha!!!

Foi um bom almoço. Conversamos entre nós e recebemos do Fabrício uma homenagem pelo dia das Mães que gostamos muito e dedicamos às nossas, uma bela garrafa de um bom vinho sul africano, bem gostoso!

Voltamos para casa, mas antes, fui ao Mercado de frutas, na rua mesmo e comprei bananas. Ao chegar no hotel fui novamente cercada por mais crianças pedindo dinheiro. Diante da minha negativa, vendo a sacola de bananas pediram alegando fome. Eu lhes disse que as bananas estavam verdes, mas mesmo assim abocanharam-nas e comeram ali mesmo, sem nem fazer cara feia, tinham que ver. A gente, normalmente ressabiado em dar as coisas no Brasil, onde nos acostumamos aos pedintes inclusive recusando o que damos, tomamos um choque atrás do outro aqui... Eu, pelo menos, revejo os meus (pré)conceitos a todo o momento - até me envergonho muitas vezes quando me pego tendo pensamentos do tipo - ah, não vou dar porque vão ficar viciados... Que remédio há para tanta miséria senão o assistencialismo imediato? Penso que só depois de matar a fome imediata poderemos pensar em trabalhar algo de mais longo prazo. Infelimente, tendemos a adiar nossa ajuda colocando sempre a culpa no governo ou nos refugiando nos velhos conceitos de que dar dinheiro é ruim ou vou dar no Natal uma cesta básica...

A fome é urgente! E mata!

As crianças tem feridas brancas nas cabeças e boca, sinal de desnutrição. São famintas, mesmo com aquelas carinhas alegres e insistência em pedir... Não pedem para acumular, é para comer mesmo! Não estão pedindo por profissão, mas por fome, pura e simples fome.

Há os que dizem que vai virar profissão, e sei que o tema é complexo, nem quero me estender muito, mas com a falta de opção que vemos aqui algo de muito profundo, abrangente e sério precisa ser feito...

Bom, sem a pretensão de discursar ou levantar bandeiras vou tentar fazer a minha parte, mesmo que aos poucos...

Pedi para tirar fotos deles comendo e adoraram, ficaram me rodeando e eu que já não gosto comecei uma verdadeira sessão. Fizeram pose de luta, dançaram, pularam e inventaram altas poses... Claro, depois de cada clique eu tinha que virar a máquina e mostrar a eles a foto, embolados em cima de mim aos risos e comentários, covardia comigo, em Yungué - língua local falada pela maioria da população de Tete.

Um deles, Tomás, fala bem o português e virava mexia traduzia aos outros algum pedido ou fala minha.

Ficamos bastante tempo nesta farra e quando me preparava para subir veio o Bruno com um pacotes de biscoitos - aí a farra recomeçou... Muito engraçado! Bicha de novo, alegria alegria e a meninada ficou numa satisfação danada.

A noite, já bem tarde para criança estar na rua, encontramos de novo o Tomás, ainda na porta do Hotel.

Batemos o seguinte papo:

Nós - Tomás, você aqui até tarde, porque não vai para casa?
Ele - Estou a esperar pelo meu irmão luiz que foi lá em cima com um amigo.
Nós - Quem é o Luís?
Ele - Aquele mais pequeno que estava aqui hoje mais cedo.
Nós -Ah, sim! Lembro-me. Onde moram?
Ele - Em Matundo (fica do outro lado da ponte a mais de 1km)
Nós - Nossa! É longe! E está tarde...
Ele - Já estou a ir...
Nós - E o banho Tomás, quando vai tomar?
Ele - (risos) Amanhã! (Com a cara mais sapeca do mundo)
Nós - No rio?
Ele - Não! Há crocodilos no rio... Em casa mesmo!
Nós -Ah, bem! E sua mãe não vai brigar com você por dormir sujo?
Ele - Não tenho mãe, ela morreu
Nós - Fiquei em silêncio, entalada... Entreolhamo-nos (Eu, Brunos e Adriano)
Nós -Seu pai trabalha?
Ele - Não, meu pai não faz nada
Nós - E você recebe muito aqui?
Ele - 30. 40, 20, nada... (Cerca de um real e pouco por dia)
Nós - E como usa o dinheiro?
Ele - Para comprar farinha
Nós - E come farinha com o quê?
Ele - Com quiabo, abóbora, o que tiver...
Eu - Entalei de novo...
Nós - Você estuda?
Ele - Sim.
Nós - Onde? - Ele disse mas não compreendemos, mesmo repetindo...
Nós - Está em que fase?
Ele- Terceira
Nós - E o que quer ser quando crescer? Depois de repetir 3 vezes, entendemos...
Ele - Doutore!
Nós - Ah, muito bem! Estude sim, muito bem Tomás, é assim que se fala!
Ele - Apenas sorriu timidamente...
Nós - Boa noite Tomás, vamos dormir...
Ao som da fuzarca de uma alegre carreata que anunciava festivamente o título do Benfica, time português da maioria dos torcedores daqui, subimos calados...

Corri no quarto e fiz uma sacolinha com duas mexericas, um salgadinho e castanhas e desci correndo para apanhá-lo. Logo que saí do hotel e caminhei alguns passos ele veio sorridente ao meu encontro. Recebeu a sacola sorrindo e prometeu dividir com o irmão...

Na África é assim...

 
Os primeiros - ganharam balas - (pastilhas)

Eles de novo, posando para a foto!

No restaurante, vinho de presente!

Homenagem à Mami...

Os meninos das bananas

Posando para a foto!















Esse é o Tomás!

Luiz, irmão do Tomás
Bruno distribuindo os biscoitos e a bicha... Reparem no sorriso do empregado do hotel, do vidro!
Todos com seus biscoitos!
Agradecendo...
Eu adorei esse menino...
E esse... (Tomás)
Esse também, rs...Joshua...
Altino...
Luiz...

3 comentários:

  1. Olá Paca!!! Você escreve muito bem !! Parabéns!Mas nenhuma palavra dita ou escrita, descreve o olhas destas criancas. Paca, estamos com muita saudade!!! vc faz falta aqui... beijos ...rumo à África .... beijos e até Durban...

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  2. Paola, em um mundo cruel e injusto, faça de cada dia uma oração cheia de ternura e amor...
    Beijossssssss

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  3. Papaula, junto com seus amigos faça o que puder para estas crianças, dê a elas muito amor carinho naõ custa nada e faz bem a alma! mami!

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